Obras sob Tutela

O destino das metáforas

Sidney Rocha
O destino das metáforas
Editora Iluminuras
Livraria Martins Fontes

 

A ideia só nasceu depois do aniversário. Alguns amigos vieram e beberam um pouco. Mas ele mesmo cansou de festas que não eram mais festas. Esteve sempre com amigos, antes, mas agora não recebia convites para cheirar, beber, mais nada, nem era mais carne para os noticiários. Assim, não se demorava em comemorações e tratou de se despedir dos poucos ali mesmo, no corredor, e compreendemos ali o abraço de Castilho na sua própria solidão. Já não falava em retomar a carreira. A vida longe da música era de aborrecimentos, ela o levara a tantos lugares, ao Japão, à Tailândia, duas vezes à Europa, ao Chacrinha tantas vezes. Uma tarde, não lembra ao certo, nem importa, encontrou Caetano Veloso na coxia de um programa de tevê. Era ainda o homenzinho magro com cabelos de vento. Tinha uma tiara prendendo a juba, e falava arrastando um sotaque sempre grave: “Isso aqui é um zoológico, cara. Quero ir embora daqui”, e quase já ia mesmo quando Castilho lhe pegou pelo braço. “Somos iguais, Caetano. Vamos para o mesmo lugar, eu e você: a glória. Você só precisa ter calma, poeta”. Caetano apertou sua mão e se emocionou com aquilo. Castilho via nele o poeta que quase ninguém viu. Além disso, artistas adoram profecias e aquela calçou com conforto os quatro pés. Mas hoje Castilho era só um rastro. Quando invadissem o seu passado poderiam encontrar centenas de recortes de jornal dentro dos livros, nas caixas. Ele costumava deixar recados entre os papéis. Letras de boleros. Notas para biógrafos, dizia, sobre o que é preciso que saibam. Tudo mofo agora. E a sensação de terem lhe roubado algo, a outra parte da sua própria profecia. Não viu Caetano outra vez. O fato de seus destinos terem tomado barcos diferentes fez Caetano Veloso ganhar um inimigo para sempre.

Artigos Relacionados

Sabe do que eu gosto?

A estética da indiferença

As coisas que eu gosto